Quando os dados não se tornam decisões
- fran6015
- há 7 dias
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Vivemos cercados por frases de efeito: “dados são o novo petróleo”, “tomada de decisão baseada em dados”, “estratégia data-driven”. Mas, entre a promessa e a prática, há um abismo difícil de ignorar — especialmente quando olhamos para dentro das organizações. Mais especificamente, para dentro das cooperativas, que lidam diariamente com volumes crescentes de dados, mas que muitas vezes não conseguem transformar essa matéria-prima em direção real, concreta, acionável. E o problema, ao contrário do que muitos pensam, não está na falta de dados. Está na forma como lidamos com eles.
A primeira barreira é quase invisível, mas profundamente enraizada: a falta de importância real atribuída aos dados desde a origem. Em outras palavras, a cultura de dados começa na ponta — no momento em que alguém insere uma informação num sistema, registra uma ocorrência ou preenche um campo. É ali que se define a qualidade da informação que vai alimentar as análises. Mas como exigir decisões confiáveis com base em dados se esses dados nascem frágeis, imprecisos ou ausentes? Esperar inteligência de algo que foi negligenciado desde o berço é como plantar qualquer coisa em solo infértil e cobrar colheita farta.
A segunda armadilha é confundir análise com visualização. Dashboards, por mais bonitos que sejam, não tomam decisões. Tampouco fazem perguntas. Eles exibem. E exibir não é analisar. Existe uma diferença brutal entre olhar para indicadores e saber o que eles significam. Entre acompanhar métricas e compreender contextos.
O risco aqui é alto: gestores que se sentem confortavelmente enganados por painéis coloridos, acreditando que estão praticando gestão orientada por dados quando, na verdade, estão apenas contemplando gráficos sem interpretação crítica.
Há também um erro estrutural que limita todo o potencial analítico de uma organização: não considerar o setor de dados como estratégico. Enquanto áreas como finanças, comercial e RH ocupam lugar de destaque na mesa de decisões, o time de dados muitas vezes segue como coadjuvante técnico, chamado tardiamente para “apoiar” análises. Essa postura revela uma visão utilitarista e limitada, que enxerga dados como recurso operacional, e não como alicerce estratégico. O resultado? Decisões tomadas no escuro, com o analítico servindo de justificativa ex-post, em vez de ser motor de direção.
Somado a isso, há um ruído grave — quase ensurdecedor — entre times técnicos e áreas de negócio. A linguagem não se encontra, as prioridades não convergem, e o tempo de resposta costuma ser incompatível com a urgência das demandas. As áreas de negócio querem clareza, aplicabilidade, resultado. Os times técnicos entregam precisão, complexidade, e às vezes, soluções que ninguém pediu. O ruído não é só de vocabulário, é de expectativa e propósito. E é aí que se instala a frustração mútua.
Para superar essas distorções, alfabetização em dados é urgente — e não apenas para os “especialistas”. Todos, do campo ao backoffice, do atendimento ao conselho, precisam entender minimamente o que um dado representa, o que ele pode revelar e o que ele nunca vai dizer sozinho. Alfabetizar em dados é como ensinar a ler um novo idioma: quem não compreende se torna refém de interpretações alheias, e isso mina a autonomia das decisões.
E por fim, um erro comum, embora menos comentado: a dissonância entre soluções propostas e os problemas reais do negócio. Iniciativas que impressionam pela sofisticação, mas que não resolvem o que de fato precisa ser resolvido. O clássico uso do canhão para matar a mosca. Isso acontece quando o time técnico está desconectado do chão do negócio, quando há uma paixão maior pela tecnologia do que pela resolução de dores concretas. Ser disruptivo sem aderência é, no fim, apenas vaidade fantasiada de inovação.
Transformar dados em decisões não é uma questão de ferramenta. É uma questão de cultura, estrutura e comunicação. Exige humildade para rever processos, coragem para mudar prioridades e maturidade para compreender que não se trata de modismo, mas de sobrevivência organizacional. Especialmente no contexto das cooperativas, onde a responsabilidade com o coletivo é maior e a eficiência impacta diretamente milhares de vidas.
É hora de ir além dos jargões. Dados só viram decisões quando são respeitados desde a base, compreendidos por todos, conectados aos problemas certos e colocados no centro das estratégias — não apenas nas apresentações de fim de mês.
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